18 de mai. de 2011

Feira livre

feira-livreBem em frente à minha casa temos o prazer de desfrutar todas as terças de uma agradável feira livre, daquelas onde vendem abobrinha e pastel de vento. Desde as primeiras horas da manhã podemos ouvir o agradabilíssimo som do arrastar de caixas, montar de barracas e também os palavrões dos empregados quando algo não dá certo. Julgando pelo nível de educação e quantidade de palavrões que podem ser ouvidos toda terça em frente à minha casa, muita coisa dá errado por lá.

Praticando “portunhol”

Parei de “frequentar” porque há um barraqueiro (literalmente) que fica berrando que nem um louco em um idioma que (ele lá) pensa que é espanhol, e para uma professora de espanhol como eu seus bordões para chamar a atenção dos fregueses (freguesas, principalmente) ao invés de despertar interesse pelos legumes pra lá de “chochos” que vende, me deixam morrendo de vontade de enfiar uma daquelas cenouras pela goela dele abaixo, com terra e tudo.

Os engraçadinhos

Os filósofos de araque também trabalham lá, imaginem os senhores! Eles, que sabem tudo sobre a vida, relacionamentos e coisa e tal, berram a plenos pulmões enquanto passo placidamente com meu carrinho quase pela boca de abobrinhas, então não preciso que mais algumas sejam enfiadas à força pelos meus ouvidos:

- Vamos gastar o dinheiro do marido, madame, senão ele gasta com a outra.

Se aquele idiota pensa que eu preciso do dinheiro “do meu marido” para comprar alguns legumes e que esse parco dinheirinho das hortaliças seria suficiente para manter uma amante (caso meu marido se atrevesse a manter uma), das duas uma: ou ele acha que as mulheres que estão na feira são todas umas desocupadas que não têm nenhuma fonte de renda além das proporcionadas por um casamento, ou ele está totalmente por fora do preço que cobram os salões de beleza e butiques que seriam exigidas – novamente caso meu marido resolvesse cometer a temeridade de arranjar e manter uma amante.

O que se diz em português

Como professora de espanhol, inglês e ocasionalmente também de português para estrangeiros, não posso deixar de notar como usamos nosso idioma de forma peculiar. Quando se fala português, nosso ouvinte mais que simplesmente “ouvir” precisa interpretar o que dizemos.

Estou quase chegando em casa, louca para ligar a TV na Ana Maria Braga para completar a cota de bobagens a que todo ser humano tem que ser exposto diariamente para expiar seus pecados, quando ouço uma “pérola” que desperta em mim a maldade inerente a todo ser humano, que nos leva a fazer fila na frente da porta do inferno quando partimos dessa para melhor (ou pior, caso assim o prefira meu caro leitor):

- Alface, um real – o coentro é de graça.

Paro na frente da barraca com o cândido olhar de velhota simpática que só os anos tornaram possível, ou seja: “ar de enganar trouxa”. O rapaz solícito me pede:

- Pode escolher a alface aí, senhora. O coentro é de graça.

- Eu não quero alface, eu quero coentro.

- Cinquenta centavos – diz o rapaz sorridente para a velhota simpática.

- Mas você disse que o coentro é de graça.

- Mas só se comprar a alface – explica ele à velhota retardada.

- Mas você não disse “se comprar a alface”. Você disse claramente: “o coentro é de graça”. E obrigar “venda casada” é contra a lei.

- Madame – me explica ele reunindo toda a paciência que usamos quando falamos com alguém que julgamos menos provido de intelecto – o coentro só é de graça se a senhora levar a alface.

- Mas eu não quero alface, só quero o coentro. E segundo o que você estava berrando que nem um louco, o coentro é de graça. Quero dois maços de coentro, por favor.

Por dentro eu me divertia com minha maldadezinha em vingança ao berreiro, palavrões, imbecilidades e outras “benesses” das quais desfrutamos quando temos uma feira livre bem em frente à nossa janela.

Na verdade eu não quero coentro, não faço a mínima questão se tiver que pagar 50 centavos por ele, o que eu quero mesmo é criar confusão. Também quero mostrar a esse cara que nem toda velhota simpática é idiota e que até um idiota como ele deveria prestar mais atenção ao que berra insistentemente em frente à nossa janela desde as 6 da manhã.

assinatura clara

2 comentários:

  1. Zailda....gostei muito do texto! Só queria pedir para você pensar em como esses feirantes trabalham duro! (como você mesma disse: desde as 6 da manhã!) Eles só estão trabalhando....tentando sobreviver! Tente ver por esse lado. Beijos...e parabéns pelo texto!

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  2. Claro que eu sei disso, mas bem que poderiam fazer um pouco menos de barulho, respeitando quem não começa às 6 da manhã. E o comentário não foi contra os feirantes, mas sim sobre a forma que usamos o português.

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